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R7 Entrevista

‘Meu fundo do poço tem mola’, diz autora que estourou ao mostrar cuidados com a mãe no perfil ‘O Bom Alzheimer’

Criadora de um método amoroso de lidar com os pacientes, a pedagoga Claudia Alves estará na Bienal do Rio neste domingo (15); sua conta no Instagram tem mais de 1 milhão de seguidores

Entrevista|Vivian Masutti, do R7

A escritora Claudia Alves, 63 anos, lança livro na Bienal do Rio Divulgação

Durante anos, Claudia Alves, 63, e sua mãe, Dona “Francisquinha”, 90, viveram sob o mesmo teto, dividindo a rotina, mas sem demonstrações frequentes de afeto.

“Não fui uma filha carinhosa porque começou muito cedo essa rejeição da minha mãe comigo”, diz Claudia, que compartilhou sua história com o R7 por meio de uma vídeochamada.

Tudo mudou em 2010, quando Francisca foi diagnosticada com Alzheimer, aos 76 anos. Conforme as memórias de dor iam se apagando, um novo vínculo foi sendo construído, com carinho, paciência e dedicação.


Aos poucos, Claudia percebeu que a mãe se abria para ela e até retribuía seu afeto. A pedagoga começou a postar esses momentos no Facebook e, depois, migrou para o YouTube, onde ficou conhecida. Mas foi no perfil @obomdoalzheimer do Instagram que os registros explodiram.

Hoje são mais de 1 milhão de seguidores que acompanham suas dicas, não mais tão amadoras assim: Claudia estudou, especializou-se no trato com doentes de Alzheimer e virou referência em comportamento até para médicos.


Agora, ela lança um livro, baseado em depoimentos seus, em que conta toda a saga: O Bom do Alzheimer (R$ 49,90; 200 págs).

A obra é uma das principais apostas da Sextante para a Bienal do Rio deste ano, que começa nesta sexta-feira (13). E Claudia estará lá, dando autógrafos às 14h do domingo (15) e às 11h da segunda (16).


“O comportamento humano faz parte de um ciclo, né? Minha mãe também não teve uma educação afetuosa e isso ou dos avós e dos pais dela. Mas esse ciclo eu quebrei na minha geração.”

Confira trechos da entrevista:

R7 Entrevista - Você disse que já ouviu homens dizendo que preferiam dar um tiro na cabeça a viver com um diagnóstico de Alzheimer. Mas, no fim, disse também que quem vai acabar cuidando deles, se eles não fizerem isso, é uma mulher. Como é que você avalia essas diferenças de gênero nesse papel do cuidado com a pessoa com esse tipo de demência?

Claudia Alves - Como eu sempre falo, nós, mulheres, somos as cuidadoras culturalmente. Nós não escolhemos isso. Fomos colocadas nesse lugar. Desde pequenas, a gente ganha boneca, inha, cozinha, casinha, né? Então, quando acontece um drama familiar desse porte, o trabalho braçal recai sobre as filhas. E os filhos ficam ali de espectadores. Não sei se você já viu um filme chamado Amor [que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013, sobre um idoso aposentado que cuida da mulher, após ela sofrer um derrame].

R7 - Era a pergunta que eu ia fazer na sequência. Sim, eu vi e me marcou muito.

Claudia - Algumas conclusões desse filme: primeiro, idoso não cuida de idoso. Ele não tem condições e talvez ela também não tivesse. Só que eu acho que, se fosse ela cuidando dele, o final teria sido diferente. A mulher é mais forte, fazer o quê? Eu não queria ter essa força, não queria estar neste lugar.

Quando acontece um drama familiar desse porte, o trabalho braçal recai sobre as filhas. E os filhos ficam ali de espectadores

(Claudia Alves, pedagoga)

R7 - Também tem esse filme com a Marieta Severo, o Domingo à Noite, de 2022, em que ela cuida do marido com Alzheimer e acaba descobrindo que também tem a doença.

Claudia - Ela ficou firme e ainda tentou proteger os filhos. Excelente esse filme. Também tem um sobre uma máfia de cuidadores, que se chama Eu me Importo [que deu o Globo de Ouro à atriz Rosamund Pike]. Porque a pessoa também precisa de um cuidador para istrar a vida financeira dela. Existem inúmeros milionários que não têm família.

A mãe de Claudia, Francisquinha, em uma de suas atividades Arquivo pessoal

R7 - No seu livro, você fala sobre o testamento vital [também conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade], um documento em que a pessoa declara suas preferências sobre tratamentos médicos e cuidados de saúde para o caso de, no futuro, não conseguir expressar sua vontade.

Claudia - Isso. Principalmente no que diz respeito à saúde, né? Eu não quero ser reanimada, se meu coração parar. Eu não quero usar uma sonda intestinal. Eu não quero ter uma respiração artificial. São coisas que prolongam a vida, mas que são recursos artificiais. E também há algumas vontades que são importantes, do tipo: eu não quero ser cuidada por fulano. É importante esse documento, mas eu também faço um alerta para a pessoa ser sensata, porque não adianta você criar um problema se os seus filhos não tiverem condição de atender o pedido, né? Então, que sejamos razoáveis no que a gente vai pedir ou então que a gente prepare esse pedido. Não adianta querer que levem suas cinzas para a pirâmide do Egito. Eu, a única coisa que eu quero da vida é que não me deixem sem banho. Ah, e quero ter ar condicionado, livros e uma internet boa.

Não adianta querer que levem suas cinzas para a pirâmide do Egito. Eu, a única coisa que eu quero é que não me deixem sem banho

R7 - Você acha que as pessoas com um poder aquisitivo maior são as primeiras a terem o a esse tipo de decisão?

Claudia - Olha. Ou não. Quando a pessoa entende que o significa, qualquer um pode fazer, mesmo que seja à mão e guardar dentro de casa. Desde que todos os filhos tenham ciência. Também há a possibilidade de registrar em cartório. Não é uma coisa exclusiva para quem tem uma situação financeira melhor. Agora, o que é importante é ser sensato. A minha sogra da parte do meu primeiro marido, porque não existe ex-sogra [risos], ela dizia que queria ir para uma casa de repouso e tal. Só que ela não se preparou para isso e o filho dela não podia.

R7 - Qual foi o momento em que você se deu conta de que a doença da sua mãe poderia ser uma oportunidade para vocês duas?

Claudia - Quando comecei a perceber que ela estava mais receptiva. Eu não fui uma filha afetuosa porque começou muito cedo essa rejeição da minha mãe comigo. Ela dizia que o meu irmão mais velho, que morreu, foi muito mimado. Falava que ele tinha colo e ficou mal acostumado. Então, dizia que, quando tivesse outro filho, não deixaria ninguém pegá-lo no colo. E nem ela daria colo. Ia ser uma criança criada no berço. Então, desde muito cedo eu sabia que essa relação era distante. Será que quando eu chorava ela não me dava colo? Quando ela teve o diagnóstico de Alzheimer e eu comecei a cuidar dela, percebi que ela me aceitava mais. Comecei a ter uma relação mais carinhosa e ela era receptiva. É um ciclo, né? Ela também não teve uma educação afetuosa e isso ou dos avós e dos pais dela. Mas eu quebrei. Quebrei esse ciclo na minha geração. Meu fundo do poço tem mola.

R7 - Se um dia você desenvolver a doença, quem gostaria que cuidasse de você?

Claudia - Já tá decidido, né? A minha filha, ela tem TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade] e dois filhos autistas. Então, ela fala que não consegue. Já cuida muito. Meu filho, que é uma pessoa prática, disse que já está planejando financeiramente como cuidará de mim. Eu sei que, por ser homem, ele não vai fazer o que eu faço. Mas não tem problema. Vai cuidar do meu marido também, mesmo não sendo pai dele. Já tem uma reserva para isso.

R7 - Qual foi o retorno de um leitor ou de um seguidor que mais a comoveu?

Claudia - São pessoas que vivem o que eu vivi, a minha geração. Quase todas aram pelo que eu ei. Então, está gerando uma identificação muito grande, muita gente emocionada. Minha família, meus primos, todos eles, quando leem, choram muito, porque sabem das histórias, cada um do seu ponto de vista. E eu vejo isso em muitas famílias. Muita gente que lê o livro fala: Cláudia, eu me identifico, você conta a minha história. Sabe? Muita gente que agradece por ter a oportunidade de perceber que é possível ressignificar as relações.

Ilustração da capa do livro 'O Bom do Alzheimer' Divulgação

R7 - Como que você chegou ao mundo digital?

Claudia - Começou no Facebook. Eu entrei e achei uma comunidade que se chamava Eu tenho familiar com Alzheimer. Posto nas redes sociais desde 2016, mas demorei para começar. Durante seis anos, tive um processo de aprender, de aceitar a doença. Fui estudando, pesquisando e me adaptando com tudo aquilo.

Quando já estava numa fase bem boa com a minha mãe, a gente curtia mesmo, dançava, ia ao cinema, ao teatro, à praia. Coisas que ela nunca fez comigo. E aí eu quis mostrar tudo isso para as pessoas no Facebook e não fui muito bem recebida. Porque ali as pessoas mostravam muitas dores, né? E eu queria tentar mudar isso.

Só que a pessoa que istrava a minha conta tinha um outro discurso, diferente do meu. Um dia, ela me chamou e falou: ‘Olha, você está aqui, mas você não tem a ver com esse grupo. Eu tenho dúvida até se sua mãe tem Alzheimer mesmo, porque eu acho que você tá procurando like, você quer aparecer’. Aí eu falei: ‘Like? O que eu vou fazer com isso?’.

R7 - Você não sabia o que era?

Claudia - Não sabia que poderia servir para alguma coisa. Naquela época, eu não entendia muito isso de algoritmo, só queria mostrar a minha mãe. Uma colega, então, me falou do YouTube. Eu criei e o canal cresceu. Em uma semana, eu tinha mil seguidores e logo depois recebi uma cartinha dizendo que eu poderia monetizar meus vídeos. Eu nem sabia que isso era possível. O namorado da minha filha na época me ajudou e eu ganhei meu primeiro dinheiro com isso, nunca me esqueço. Foram 180 dólares.

Aí, eu pensei: bom, já que é assim, vou fazer uma coisa mais profissional. Vou postar os vídeos da mamãe, mas vou explicar como são os comportamentos, por que ela está assim, por que ela é tranquila. Aí, eu comecei a fazer tudo o que eu aprendi. Comecei a fazer live com ela do meu lado. Na época, eu fazia, ela interagia, cantava, era muito bom, né? E aí foi rapidinho. Com 100 mil seguidores, recebi a plaquinha.

R7 - E como foi escrever o livro?

Claudia - Antes de eu pensar em fazer o curso online [já são mais de 8.000 alunos], as pessoas pediam para escrever o livro. Eu comecei, mas isso significou mexer em feridas que eu achava que estavam cicatrizadas. As pessoas tinham curiosidade de saber sobre a minha mãe, como era a vida dela, como ela era antes do Alzheimer, isso tudo. Só que, por eu ter tido uma educação tão abusiva e tão difícil, eu achava que iria queimar a imagem tão linda que as pessoas tinham da minha mãe, sabe? As pessoas adoravam ela, viam-na como uma princesa, uma rainha, aquela coisa muito de diva. Até que eu travei e falei: não vou mais escrever. Parei de vez.

R7 - E aí?

O tempo foi ando, e eu continuei com o discurso bem didático lá no YouTube, fazendo lives com conteúdos de educação sobre Alzheimer. Foi depois disso que criei o Instagram. Por ser um canal dinâmico, ele foi crescendo muito rápido. E aí, em 2020, eu criei o curso. Já era pedagoga e já tinha uma ideia. Só que na época eu pensava em fazer um curso presencial. Escrevi um projeto, mas não tinha condição de me dedicar a ele. Quando conheci uma pessoa com conhecimento em marketing digital, já tinha o curso pronto. Foi muito rápido. Quando lancei, já era pandemia.

É um curso que transforma muito a vida das pessoas, porque é vida real, sabe? Tem situação com que você tem que lidar que não se aprende com médicos. Eu não falo de remédio, falo sobre comportamento. Eu me especializei nisso, eu estudo sobre isso e é com isso que eu tento ajudar as pessoas. Porque esse é o maior desafio de quem cuida de alguém com Alzheimer: lidar com os comportamentos.

R7 - E como foi que você superou essas travas para contar sua história?

Claudia - Na verdade, eu não consegui assim fácil não, né? Eu não queria colocar o curso em um livro porque ele é a minha ferramenta de trabalho. Se eu o botasse num livro, acabava o público do meu projeto. ou um tempo e finalmente conheci uma editora que estava interessada na minha história. Como o livro foi feito com base nos meus depoimentos, foi mais fácil para mim.

R7 - Você foi bastante privilegiada por ter tido condição de se dedicar tanto a isso.

Claudia - Sim. Meu marido, na época, disse que eu poderia parar de trabalhar que ele segurava as pontas. Mas sempre fui muito inquieta e não me acomodei nessa situação.

R7 - Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?

Claudia - Sim: se você tiver um parente idoso que começar a mudar de comportamento, fique atento. Em geral, as pessoas não am a agir tão diferente assim por causa da velhice, não mudam de personalidade. Isso pode ser, na verdade, o primeiro sintoma da doença.

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